Estava eu indo à padaria usar meu carisma pra ganhar três reais de desconto no sanduíche integral quando ouvi a sola descolar do sapato. Trrrrrrrrr. Rasgou no meio da rua. Chegando em casa, manca e esfomeada, pensei em fritar um ovo. Fisguei da pia um prato molhado, que prontamente escorregou da minha mão e deixou de ser prato. Suspirei e abri o ovo direto na frigideira. Tava podre. Era o último.
Assim começou um dos melhores dias da minha vida. Peguei um ovo emprestado do amigo com quem eu moro; ovo daqueles de granja de luxo, que deixa a galinha no ar condicionado. Saiu tão bonito que nem parecia ovo, parecia a ideia de um ovo. Ovo de comercial de ovo. Ovo de livro infantil.
A sola foi um livramento. Era uma sapatilha bege de plástico com vibe de assistente administrativa que eu comprei no metrô por vinte reais porque eu amo gastar vinte reais. 20 reais é a quantia ideal de dinheiro pra se abrir mão. Mais que isso é uma compra séria, menos não emociona. Gastar vinte reais saindo do trabalho é questão de saúde mental.
Mas o melhor foi o prato. Quebrando o que eu tirei do escorredor, sobrou só o cinza ali da foto. E o cinza é um prato raso, qualquer garfada olhando a tv já manda a comida pro raio que o parta. Faz tempo que eu tava esperando uma desculpa pra aderir à cumbuca, que tem aquela segurança de perímetro. A cumbuca é uma louça mais acolhedora ao imbecil.
E agora as estrelas se alinham. Liquidação na Shopee e na Amazon e eu cheia de coisa pra comprar. O dia que eu pedi a Deus.
Toda vez que eu PRECISO comprar alguma coisa eu tiro o dia inteiro pra isso. Quatro horas no youtube vendo uma dona de casa lavar o piso com o esfregão que eu tou de olho. Tarde toda criando uma réplica perfeita da área de serviço no The Sims pra ver se a estante cabe. É um lance meio tântrico, sabe, de esticar o momento. Eu quero que dure.
É que a compra necessária é uma compra sem culpa. Comprar o que você QUER envolve escolha, resolução, viver com as consequências dos seus atos. Qual o prazer nisso? Gostoso é trocar aquele aspirador capenga que a sua mãe te deu por um novinho, que passa no tapete e ele muda de cor.
Mais gostoso ainda é buscar “aspirador” na Amazon e ler as resenhas. Esses dias minha amiga Marina (beijo Marina!) tava procurando um secador de cabelo e encontrou essa:
Que frase maravilhosa. A resenha na Amazon é um gênero textual à parte. Eu mesma outro dia me deparei com essa aqui, que é fantástica:
Obcecada com a negação dessa querida. Não é uma toalha de piquenique, é uma toalha que remete à ideia de piquenique. Não é um ensaio de casamento, é um ensaio de pré-casamento, sendo o casamento na verdade um wedding (casamento em inglês). A mulher botou uns vinte quilômetros entre a mente dela e o fato de que ela serviu o jantar do ensaio de casamento numa toalha de piquenique de 40 reais. Cinco estrelas!
E o melhor é que a toalha tava em promoção. Sessenta e cinco reais (loucura!), saiu por 40. Desconto falso, claro, aumentaram só pra abaixar, mas eu agradeço assim mesmo. Pagar o preço normal com a sensação do desconto é um afago que a loja me faz. Economizar não dá, mas a alegria do garimpo tá aí pra quem quiser. Ver o preço cortado, o número verdinho… que delícia! Inclusive se você tem uma loja e cobra sempre o preço real, sem me dar nem a ILUSÃO de um frete grátis, eu quero mais é que você se foda. Deixa eu achar que eu te passei a perna! Que a toalha te deu prejuízo! Deixa eu ganhar! Deixa eu ganhar!!!!!
Nisso a Shein é péssima. Você entra na Shein e acha que o site vai falir a qualquer momento. Que tão queimando todo o estoque da China pra encerrar de vez a era industrial. Mas é dar uma olhada melhor no app que você sai jurando ele de morte. Olha esse anúncio aqui:
Apareceu isso na minha timeline anteontem e eu ri gostoso né. Ganhe doze reais porcento off na sua primeira compra. Aí eu dei um zoom e um grito, porque o anúncio na verdade é GANHE UM REAL E DOIS% OFF. UM REAL? DOIS POR CENTO?? A Shein precisa ser varrida do planeta.
Na Shopee é a mesma coisa. Mandam mensagem na caruda—Que sorte! Você ganhou nosso sorteio de cupom especial. Não esqueça do seu carrinho! Aí vai ver é dez centavos off em compras de cinquenta reais. Enquanto o desconto falso cria uma agradável sensação de contentamento, o desconto verdadeiro ofende e insulta. Enfia no CU os dez centavos, porra. Eu não preciso de um descanso de copo de porquinho tanto assim.
Falando em porquinho barato, engraçado notar o desequilíbrio de preço entre as coisas que eu compro. Os cinco reais que eu pago num fone de camelô que dura um mês mal cobrem um salgado. Meia mussarela meia calabresa custa a mesma coisa de um ferro de passar. Dois bife com arroz é um computador Positivo.
Essa semana eu passei na Daiso e comprei um cubo.
O cubo é uma das compras mais importantes da minha vida. Eu entrei na Daiso procurando um estojo transparente pra guardar meus cabos — transparente porque qualquer coisa que eu escondo numa caixa eu imediatamente esqueço que existe. Mas o que eu encontrei na prateleira de estojos foi a experiência estética definitiva.
Olhe pro cubo. Repare nas cores: o contorno lilás, o roxo cristalino do PVC. O brilho. Repare na forma. A borda arredondada, a largura perfeita do zíper. Cabendo na palma da mão, o cubo é pequeno demais pra servir a qualquer propósito prático. Foi feito pra ser admirado. Aqui em casa, o cubo ganhou lugar de honra na escrivaninha, onde ele fica sentado, vazio, enchendo meus olhos. Esse objeto extraordinário, com toda a alegria que ele me dá, custou 9,99.
9,99.
Dez reais não paga um x-burguer com ovo, mas 9,99 me trouxe a felicidade eterna.
(Se o cubo parar de me fazer feliz eu aviso.)
respostas
Falando em parar de ser feliz, hora de responder o telegram.
Laurinha querida vc viu como a joice hasselman tá sarada? ela postou um vídeo chamando a carla zambelli de burra e eu n ouvi uma palavra… (M. P.)
Não tinha visto até você perguntar. Esse aqui né?
Coitada da Carla. Se a minha inimiga jurada de morte aparecesse gostosa assim da noite pro dia era tchau e bença.
Laura, bom dia, bom dia. Descobri que a menina que eu mais odeio de todos os tempos na verdade tem muito em comum comigo. A gente gosta das mesmas coisas, anda nos mesmos círculos, tem uma aesthetics parecida, um ex dela é até o mesmo ex que o meu (a gente se odeia por causa disso). Será que em outras vidas a gente seria amigas? (D. F. S.)
Carla????
Brincadeira. Eu sei que ela não lê. Olha, o que cê tem aqui é a chance de lançar uma amizade sobre a base mais sólida que existe: o ódio mortal.
Pensa comigo. O choque da primeira briga acaba com muita amizade. Aquele amigo que te conhece e curte hoje pode amanhã mesmo encrencar com o teu pé preto no sofá. É uma coisa frágil, que o mundo não testou ainda.
Agora, se a PRIMEIRA coisa que a pessoa sente por você é ódio, e depois sim vocês viram amigas, é como se criasse uma imunidade ali. O ódio vacina contra a irritação. Pra que que eu vou surtar que a pessoa quebrou minha caneca do Coragem o Cão Covarde se ano passado eu tava chamando ela de vagabunda na rua? Águas passadas!
O problema da Carlinha e da Joice é que elas inverteram a ordem. E também que as duas são malucas. Mas isso faz parte.
Me identifiquei com o seu sofrimento acadêmico, Lau. Deu tempo de terminar as provas? Tá de férias? Vai voltar a trabalhar? (C.)
Deu tempo! Terminei sexta. Geral enchendo o saco dizendo que é burrice pegar um ano de matéria em um semestre… agora tá lá tudo entregue! E só o que eu precisei fazer foi escrever cinquenta e seis páginas em três semanas.
Se esse número parece alto, deus te abençoe. É um favor que você me faz. Mas se não parece, leve em consideração que a faculdade odeia o carioca.
Texto acadêmico é tudo na base da frescura. Tudo cheio de não-me-toques. Tem que falar engravatado. Segundo isso, de acordo com aquilo, convenhamos tal coisa. Nessa moleza toda o carioca murcha… vai perdendo a vontade de viver.
E é isso mesmo que eles querem!! Eles têm medo da sonoridade de um ih alá…. do poder retórico de um 👍 beleza então. Tá certo. Tem que ter medo mesmo. Um ah mermão, não FODE! bem colocado é o terror de qualquer argumento.
Ontem mesmo eu tava lendo aquela história lá da Hannah Arendt dizer que não dá pra ensinar literatura africana na faculdade porque, segundo a autora, na África não tem literatura. Aí se eu entregar uma página escrito TÁ MALUCA PORRA???? em Times New Roman 12 a errada sou eu…
Obrigada por assinar o Respondendo. Eu te amo.
tem que mandar Hannah Arendt se foder mesmo
Em nome da comunidade que mais cresce no país, seja bem vinda! Comer na cumbuca é um caminho sem volta... Quando vc percebe já tá deixando de comer carne pq é difícil usar faca pra cortar ali dentro. Restam duas opções: viver a nostalgia de servir tudo já picadinho como mamãe fazia na tua primeira infância ou virar vegetariana, que foi o que aconteceu cmg, da mto menos trabalho.