Esse email só chegou hoje por conta da SUA iniciativa em patrocinar uma jovem escritora. Ênfase no jovem. E eu acho isso incrível! Que gesto lindo… que generosidade comigo e com todas as mulheres do país. Na real, se você ainda tinha alguma coisa pra fazer por alguma mulher esse mês, nem precisa. Pode trazer seu papelzinho aqui que eu assino.
Tendo dito isso, o dia das Mães já passou, então dessa eu não consegui te livrar. Foi bacana? Postou a foto de infância? Deram em cima da tua mãe no instagram? Eu, da minha parte, não comemoro o dia das Mães, devido a estar convenientemente localizada a mais de quatrocentos quilômetros do núcleo familiar. Mas pra data não passar em branco, eu fiz um pavê.
Uma pena o pavê estar preso na regressão sem-fim do tio do pavê, e da piada sobre o tio do pavê, e da piada sobre quem ainda faz piada sobre o tio do pavê, quando na verdade a associação do pavê com a figura do Tio nunca fez sentido. O pavê é a mais materna das sobremesas. Tá ali pau a pau com a palha italiana e a trufa de maracujá comprada no caixa do self-service. Até eu, que tenho mãe apenas no sentido mais técnico da coisa, posso me sentir incluída comendo o pavê que eu mesma fiz.
Claro que essa inclusão traz os seus desafios… seus obstáculos. Primeiro que eu literalmente não como lactose desde aquele incidente ano passado, sobre o qual não vem ao caso falar. Estilo de vida lactose zero. No MÁXIMO um misto quente, mas aí é só uma fatia mesmo. Uma fatia de queijo sozinha é indetectável pro corpo humano. Já uma receita de pavê leva leite, creme de leite, chocolate ao leite e DUAS LATAS de leite condensado. Se algum dia o Complexo Industrial Laticínio inventar um novo derivado, pode ter certeza que atualizam o pavê. Pavê 2: Agora ainda mais letal.
Até aí tudo bem. Nada contra um certo mal-estar… bom que orna com a data. Experiência imersiva de dia das Mães. O problema maior mesmo é que o pavê deu errado.
Com certeza o leitor mais atento já notou o tom amarelado do creme, que normalmente não lembra tanto assim um purê de batata. O biscoito saindo do brigadeiro igual uma fratura exposta também não é bom sinal. Como isso aconteceu? Vou te passar a receita pra você errar aí na sua casa:
Creme branco: leve todos ingredientes ao fogo até virar creme. Ok. Que o objetivo final do creme é transformar em creme os ingredientes eu já sabia. Modéstia à parte. Será que vem ao caso mais algum detalhe? Talvez dividir o processo em etapas? Creme de chocolate: repita o acima. Ah… entendi. Tudo bem então. Desculpe incomodar!!
Esses dias deu merda uma geléia aqui em casa também, queimou a fruta no açúcar, virou um quebra-queixo horrível, e o meu amigo Renan disse que é porque ninguém botou água na panela. Aí eu fui ver a receita e não falava nada de água. “É porque tá implícito.” Que PORRA é essa agora?? Água implícita?????
Tá muito fácil escrever receita no Brasil. Lá fora os caras nem pedem pra você jogar farinha na batedeira sem explicar o que é uma batedeira antes. Aqui a receita é uma coisa tautológica, como se você fosse idiota de perguntar. Receita de sopa. Ingredientes: os que correspondem à sopa. Modo de preparo: Transformar em sopa. Sal a gosto. Essa do pavê é o melhor exemplo, porque ela é tão incompleta que não tem nem público alvo. Quem executa perfeitamente um pavê com essa receita já começou não precisando dela.
Enfim, junta o problema da lactose com a receita minimalista e dá nisso. Pavê de batata. Dia das mães no banheiro. E tudo bem! Nada mais tradicional no segundo domingo de maio do que ser lembrado dos seus defeitos. Feliz Dia das Mães a todos nós.
respostas
Falando em ser lembrado dos seus defeitos, vamo ver o que rolou de pergunta lá no telegram.
Laurinha, você disse que toda mulher ouvinte do programa chama “Bruna, Thaís, Ana Clara ou Luísa”, mas eu me chamo Andrezza. Como você fez essa pesquisa? Houve tratamento estatístico dos dados? (A.)
Claro. Eu estou constantemente tratando meus dados. Gentileza sua notar. Seu nome tá incluído sim, é que Andrezza é uma sub-divisão de Bruna. Igual Giovana, que é um tipo de Ana Clara. Se você chamasse Virgínia, por exemplo, aí sim eu estranharia. Nenhuma Virgínia sabe que eu existo. Talvez uma Paula… ou uma Dominique, NO MÁXIMO.
Qualquer coisa, vai me avisando.
Oi Laurinha, tudo bem? Por que você sempre chama os filmes pelo nome em inglês? Isso não é um sinal de mente colonizada? Aldo Rebelo choraria lendo seus escritos? Desculpe… sua “newsletter”… (Y. R.)
Rindo. Eu chamo filme pelo nome em inglês porque o inglês é a língua franca da pirataria. Quem é a colonizada agora? Hein? Agora eu te refutei. Agora você se fudeu muito.
Tendo dito isso, tem filme que só dá pra usar o nome em português mesmo. Nem a mente mais globalizada que eu conheço chamaria Velozes e Furiosos de Fast and Furious. E eu sempre achei fofo que The Lobster, do Yorgos Lanthimos, traduz pra O Lagosta. Como se fosse alguém lembrando do amigo de infância pelo apelido. Isso aí é muito uma coisa que o Lagosta faria…
Laurinha, você sente falta da sua cidade pequena? Eu me mudei pra São Paulo esse ano e morro de saudade de coisa boba, tipo ir na feira e descobrir que o vendedor de tomate te pegou no colo quando você era bebê. (G.)
Não sinto. Eu cresci numa cidade-dormitório. Não tem comércio, não tem cultura, ninguém se conhece. É só um pedaço de rodovia e um ônibus intermunicipal. Mas se eu quisesse forçar a barra da nostalgia e escolher UMA coisa pra sentir falta, com certeza seria a numeração das ruas.
O bairro em que eu cresci divide a minha cidade e uma outra, e a divisão fica exatamente na ponte. São duas pontes, na verdade. Uma a gente usa, e a outra caiu. Quando eu era pequena, suspenderam o tráfego da ponte-nova por duas semanas pra consertar uma rachadura. Todo mundo achou que ia cair também. Não sei o que dá no interior do Rio que não dominaram a tecnologia da ponte ainda.
Enfim, como a ponte é uma peça-chave na geografia ali, todas as ruas eram numeradas a partir dela. Rua 1, primeira rua depois da ponte. Rua 2, segunda; os amantes da matemática certamente já adivinharam o que vem a seguir. E eu achava engraçado esse esquema porque ao mesmo tempo que é uma coisa super pragmática — tipo os sobrenomes nórdicos que é só o nome do pai + filho (son), e aí todo mundo chama Johansson, Andersson, Karlsson, Nilsson —, também é meio cosmopolita. Em Nova Iorque todas as ruas são números também. Um gostinho de metrópole no cu do mundo. Então me veio como tragédia a notícia de que mudaram todas as ruas pra nome de verdade.
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Desde então eu peguei um carinho enorme por ruas peculiares. E não tem cidade melhor pra apreciar isso que Contagem, em Minas Gerais — especialmente o bairro Petrolândia.
O projeto conceitual do bairro Petrolândia consiste em homenagear elementos previamente não-homenageados da indústria petrolífera. Então você tem ali os queridinhos da indústria, claro. Rua Petróleo, Rua Óleo Diesel. Os que já receberam suas flores. Depois vêm uns menos tchan, mas ainda de renome. Rua Asfalto. Rua Propano. Já começa a ficar interessante. E aí entram os heróis anônimos… Rua Benzol! Rua Butadieno. Rua ALCATRÃO. Tem uma rua inteira em Contagem-MG homenageando um dos componentes carcinogênicos do cigarro.
Sentir falta de cidade pequena eu não sinto, mas é nas cidades pequenas que a magia acontece.
Obrigada por assinar o Respondendo! Você é simplesmente um ser humano melhor do que quem não assina. Ainda bem que eles nunca vão ler isso…
como é bom estar entre o 1% mais rico do país que assinou essa exclusividade.
Depois de assinar, tô cogitando falar pra meus amigos como se tivesse tido uma conversa particular com você, little Laura. "Ah, porque a minha amiga intolerante a lactose resolveu fazer um pavê (risos moderados)". #EuSouLaurinher